Loading

Os especialistas: parte 1

Ao longo da trajetória de mais de 100 anos de história no Brasil, as motocicletas foram abrindo caminho, criando rotas, arrebanhando fãs, gerando negócios, proporcionando experiências. Era natural que tudo isso fosse transformado em notícias e que estas fossem sendo publicadas, difundidas ao longo dos anos.

No começo de tudo não havia ainda os especializados. Tudo era novidade e aquele monstrengo de duas rodas e um motor barulhento e fumacento, ia aos poucos ganhando, ou curiosos, ou fãs mesmo, e, lentamente, cobrando cada vez mais espaço.

No princípio do século XX, as motos começaram a aparecer nos jornais impressos, os poderosos meios de comunicação da época. Aos poucos, muy lentamente, a paixão pela motocycleta foi crescendo, e o numero de adeptos e fãs também. As agremiações, clubes, grupos e competições foram surgindo. Os negociantes, os aficcionados, os corredores e primeiros ídolos, passaram a “precisar” de um espaço para chamar de seu. Assim, foram criados os primeiros veículos de comunicação especializados.

Como não cansamos de repetir, o primeiro veículo especializado de que temos notícia (sempre existe a chance de encontrarmos algo ainda mais antigo), se é que podemos chamar de especializado, foi um Semanário publicado no Rio de Janeiro, então capital federal, chamado Fon Fon. Não era especializado em motos, nem propriamente em carros, o principal chamariz na época do primeiro editorial em 13 de Abril de 1907, mas uma revista de actualidades, muito bem humorada por sinal.

Para explicar melhor a vocação da publicação, nada como repetir aqui tanto as explicações técnicas, como o primeiro editorial. Impagáveis!

Logotipo do semanário FON FON! de 13 de abril de 1907

FON FON

SEMANÁRIO ALEGRE, POLÍTICO, CRÍTICO E ESFUSIANTE

Noticiário Avariado, Telegraphia sem Arame, Chronica Epidêmica

Tiragem: 100.000 kilômetros por hora

Collaboração de graça, isto é, de espírito

FREGUESIA

POUCAS palavras apenas, á guiza de apresentação.

Uma pequena… “corrida”, sem grandes dispendios de “gazolina”, nem excessos de velocidade.

Para um jornal agil e leve como o FON FON!, não pode haver programma determinado (devíamos dizer distância marcada).

Queremos fazer rir, alegrar a tua boa alma carinhosa, amado povo brasileiro, com a pilheria fina e a troça educada, com a gloza innofensiva e gaiata dos velhos habitos e dos velhos costumes com o commentário leve ás cousas da actualidade.

Em todo caso, isto já é um programma, felizmente, fácil de cumprir, muito mais facil do que qualquer outro, com considerações a attender, e preconceitos a respeitar.

O editorial segue, mas se voce quiser saber mais sobre o FON FON vá em https://goo.gl/p5Qt4z

Esta certo que não se trata da primeira publicação a falar especificamente de moto, mas uma generalista bem humorada e antenada em “actualidades da vida modernna” como Automóveis e Motocycletas, recém chegadas ao país.

Depois de Fon Fon temos um hiato ainda por desvendar.

Já nas décadas de 40 e 50, duas publicações abordavam o tema com profundidade e assiduidade, estas sim focadas no tema. O Jornal “O Guidão“, que tinha como tema bicicletas e motocicletas, e a Revista “Motociclismo“, esta focada apenas em motos.

 

24 de junho de 1949 – O Guidão: Semanário do Ciclismo e do Motociclismo – Custava apenas Cr$ 0,80 (oitenta centavos de cruzeiros)

 

Ambos foram publicados por um bom período até que seus rastros desapareceram. Dos exemplares que temos em nossas mãos não conseguimos extrair informações sobre os editores de O Guidão, mas na edição No1 da Motociclismo, sua equipe aparece com destaque.

Revista Motociclismo N1 de julho de 1949 – Expediente –  Eloy Gogliano e Wilson Fittipaldi (está escrito Fittipapaldi), o “Barão.”

 

Motociclismo No 1 – julho de 1949 – Uma frase do editorial 1 – “Decidimos, pois, a criar uma revista porta voz dos cultores do arrojado esporte e congregador da familia motociclistica brasileira.” Interessante observar que a capa da edição numero 1  trazia o Esporte como tema, ou seja, a emoção da motocicleta, o arrojo, o piloto, o ídolo… e mais, mostrava um acidente de moto… impensável para os dias de hoje. Lembrando ainda que a Segunda Grande Guerra havia terminado a apenas 4 anos… ou seja, um tombo de moto pouco representava naquele contexto.

 

Em 1974, depois de longo e tenebroso inverno sem especializadas, e impulsionada pela chegada das fabricantes japonesas Yamaha e Honda, e posterior inicio da produção nacional de motocicletas, a editora Chacaras e Quintais decide ousar e lança “2 Rodas Motociclismo“. Era o início da produção nacional de motocicletas, mas ainda assim era possível “vender” esporte e emoção na capa.

 

Capa da edição N1 de 2 Rodas Motociclismo, de Julho/Agosto de 1974 – 25 anos depois daquela Motociclismo de 1949, na capa de uma N1 novamente o Esporte. Aliás, o novo esporte do momento, o Motocross, com o Uruguaio Gustavo Cerdeña, que disputava provas no Brasil regularmente. Eu, Carlãozinho Coachman, comecei como colaborador na edição de Dezembro de 1982 e permaneceria realizando testes e materias até 1996. (Duas Rodas ainda é publicada e impressa em papel, regularmente, até os dias de hoje. Veja mais em http://www.revistaduasrodas.com.br/)

 

Hoje, olhando para os títulos que viriam em seguida, e as transformações editoriais dos produtos que resistiram ao tempo, é possível notar claramente uma mudança no perfil do mercado consumidor (não apenas de revistas) e na forma como o “mostrar a motocicleta” foi mundando ao longo do tempo.

 

Na década seguinte novas empresas resolvem entrar no mundo editorial especializado em moto. Com o mercado ainda fechado aos produtos importados e com uma indústria nacional se fortalecendo, o glamour das motos grandes e das competições com motos especias nas capas, vai gradativamente dando espaço ao “produto” motocicleta. Ainda assim, na cabeça do consumidor a motocicleta segue significando sonho. É possível perceber a mudança de comportamento editorial, migrando do “life style para poucos” em direção ao “transporte para muitos”, o que por si só significa mudança no estilo de vida do motociclista brasileiro. Ainda assim, comprar revistas não é hábito das grandes massas, por isso mesmo elas permanecem relativamente elitizadas sem nunca tirar os olhos das motos de sonho.

 

Na virada dos anos 80, uma nova leva de publicações especializadas é lançada, com a chegada de Moto 4 Rodas, Motocross (mais tarde Motosport) e ainda a Motoshow.

 

Capa da edição N1 de Moto 4 Rodas, em 1982, da Editora abril, que tinha em sua equipe do grande jornalista Emilio Camanzi (para mim apenas Tio Emilio). A revista não existe mais, embora a Editora Abril tenha tentado outras vezes. Mas, o que ninguém lá nunca entendeu é que a marca Quatro Rodas, neste caso, nunca ajudou. Quem quiser saber de Emilio Camanzi hoje, acesse https://goo.gl/8FnHMA

 

Fevereiro de 1983 – Motocross N1 – Um trecho do editorial: “Motocross é uma revista jovem, que nasce com um impulso vibrante que só uma equipe de profissionais igualmente jovens e dinamicos , com a criatividade a todo vapor, poderia realizar.”  Detalhe: Alguém notou no nome da revenda Honda no peito do Carlos Ourique Scateninha???? O mesmo nome da camisa de Cerdeña na N1 de 2 Rodas em 1974… checa lá! O maestro da iniciativa? Pedro Faus, que entre outras coisas lançaria Alex Barros no Mundial, daria espaço para um ainda pouco conhecido jornalista Celso Miranda, criaria a Amparo Motos (onde começou a carreira o Maurinho Giordano da RM Racing) e a Amparo Racing, responsável pela permanencia de Rodney Smith no Brasil, pelas carreiras de Claudio Teixeira (parte dela) e Jorge Negretti, pela equipe Motosport onde competiu, além de Barros, também Antonio Jorge Neto (Netinho) sem falar nos Mundiais de Motocross em Campos de Jordão e do Trial Internacional do Ginásio do Ibirapuera, onde o melhor piloto brasileiro foi este que vos escreve. Ta bom agora? Mas Pedro Faus é assunto para uma outra matéria.

 

Março de 1983 entra em cartaz a Revista Motoshow, publicada pela Editora 3, e que nasceu em grande estilo, tendo como comandantes a dupla Gabriel Hochet e Marc Petrier, (Chefe da área de comunicação da F.I.M. por décadas depois de deixar Motoshow) além de Antonio Geremias e Fernando Calmon… tá bom pra voce? De cara os colunistas eram Tucano, Moronguinho, Eloi Gogliano, Ayres Mascarenhas e Carlão Coachman – tá bom pra você 2? Tem mais: mais tarde outra dupla de peso faria história nestas paginas – Roberto Agresti e Quinho Caldas, fundadores da Revista da Moto! anos mais tarde.

 

Na década seguinte, anos 90, mais mudanças com a chegada da A revista da Moto!, Dirt Action e Motociclismo.

 

1994 – Depois que a Editora Três decidiu transformar a Revista Motoshow em Motorshow e focar principalmente em carros, Roberto Agresti e Quinho Caldas decidem criar A Revista da Moto! para felicidade do mercado. Seguiam com a mesma pegada de antes, mas agora donos do próprio nariz, com forte vocação para o esporte e conexões internacionais de peso. A capa da edição N1 destaca “produto”. Dias atrás recebemos a triste notícia de que a revista deixava de ser publicada, depois de mais de duas décadas de muito trabalho de qualidade bem realizado. Sinal dos tempos.

 

O crescimento vertiginoso do mercado de motocicletas e a reabertura das importações dá um novo impulso também ao mercado editorial, que passa a se diversificar. Diferente da Revista Motocross (mais plural e que se transformou em Motosport antes de fechar), a Dirt Action vem focada 100% no fora de estrada. Muito esporte, produtos e pilotos, mas 100% terra. Uma ousadia que se mostrou certeira, já que a revista segue, apesar dos desafios. Veja mais em http://revistadirtaction.com.br/

 

Março de 1995 – Nasce a Revista Dirt Action pelas mãos do quinteto Darcy P. Di Pompo Jr, Hilton Tsujimura, Jackson T Adisaka, Marcos Evangelista e Moacir Frattini, o Moa, tendo como editor Celestino Flaire. Logo o quadro de sócios mudaria para Darcy, Hilton, Esdras e Cele… Na publicidade Marcos Barros (mais tarde MotoAdventure) e como jornalista responsável e colaborador Jota Santana. Na capa da N1 o jovem talento de Rafael Ramos (6), no miolo a coluna de Jorge Negretti e a matéria sobre o ainda criança Paulo Stedille, “a nova geração”. Para ver mais sobre a Dirt Action: http://revistadirtaction.com.br/

 

Janeiro de 1998 – Para comemorar a criação da Motorpress Brasil Editora, Isabel Reis e Sergio Quintanilha escalam Gabriel Marazzi e Marcel Mano para lançarem a Motociclismo Magazine. Eu, Carlãozinho Coachman, me juntaria à equipe em Agosto do ano seguinte, ao lado de Roberto Ferreira. Naquela época fui apresentado ao filho de um amigo do “Quinta”, preparador do Kart dele, um tal de Vail Paschoalin. Ele tinha um fillho meio perdido na vida, Rafael Paschoalin, que precisava de uma oportunidade de emprego. Ao assumir o comando da revista, com a parceria de Raul Fernandes Junior, decidimos dar ao Rafa a oportunidade que ele queria. Deu no que deu. A Motorpress deixou o Brasil recentemente, mas a Motociclismo segue firme nas mão de Isabel Reis e equipe: Renato Vieira, PC Farias, Gabriel Berardi, Marcelo de Barros e Andrea Guimarães. O foco principal da revista desde sempre? Produto. Para ver mais sobre a Motociclismo: http://motociclismoonline.com.br/

 

Os anos que se seguiram foram os mais prósperos para o mercado de motocicletas. O Brasil seria reconhecido como potencia mundial e praticamente todas as marcas de moto acabaram aportando por aqui. Muitas através de importadores oficiais, para depois assumirem como subsidiárias.

 

Mais marcas e mais modelos disponíveis permitiram uma nova guinada no mercado editorial. Surgem novos títulos ainda mais segmentados, com nova abordagem editorial. Também o crescimento da internet é uma realidade transformadora. Os primeiros sites ganham espaço e, num passado mais recente, os indivíduos, através das midias sociais, passam a ter relevância como Digital Influencer, uma nova abordagem para a comunicação, ainda em fase de maturação. Mas isto tudo é tema para a próxima.

 

Nota do Editor de Motostory: “Antes que alguém fale alguma coisa, cabe reforçar que muito mais publicações do que as que aqui estão aconteceram ou acontecem ainda durante todos estes anos, em diferentes formatos. Estamos providenciando mais imagens e capas e prints para publicarmos a segunda (ou terceira, quarta…) parte, em um novo post, sem esquecermos dos jornais especializados que tivemos. Na próxima, falaremos das revistas lançadas à partir de 2000…  E ainda temos jornais, sites… por isso, calma, ok?”

 

8 comments

    1. Obrigado Mestre… jamais esquecerei quem me deu o primeiro espaço para que eu participasse da revista, primeiro pilotando para as fotos e cliques do Mario Bock antes mesmo da maioridade (só motos off-road no começo), depois nas motos de rua, depois escrevendo. Obrigado amigo, sempre.

  1. Desde 1976 eu acompanho a linha editorial da Duas Rodas, quando fui a distribuidora adquirir as 11 edições anteriores. Mal sabia que no futuro fosse me especializar, mesmo por que saí com minha mãe para ir comprar uma Caloi 10 – eu era gordinho, e a diferença de preço para uma Mobylette era ridícula e minha mãe ofereceu a Lette. Ai foi unir a teoria a pratica.

    1. Mano Marcel, você é um dos bons amigos que conquistamos ao longo dos anos… Um dos especialistas da área com uma rica história para contar… que tal dividir com os leitores de Motostory? Seu espaço aqui está sempre aberto… sempre!

  2. Parabéns Carlãozinho, cade vez mais seu trabalho cresce e o mundo da Motocicleta no Brasil vai aparecendo gradualmente.
    Já passei a você mais um ou dois jornais que apareceram nos anos 70, mas infelizmente duraram pouco tempo no mercado. Depois você poderia encaixar nessa matéria.
    Continue sua jornada e conte comigo sempre.
    Um abração

  3. Nossa! que legal ler essa página e rever algumas capas de revistas que li ao longo da vida.
    Parabéns pela iniciativa e pelo trabalho. Estou escrevendo um livro sobre a viagem que fiz de Brasília ao Ushuaia e de lá até o Alasca. Somente eu e minha esposa, solitários durante 1 ano na estrada e citando a Revista Moto 4 Rodas dos anos 1980 fui pesquisar para rever e achei aqui no seu site.
    Mais uma vez obrigado e a história não existiria se não fosse por pessoas como você que se dedica a manter esse acervo para todos.

    Grande abraço e felicidades para você.

    PS. Até pouco tempo eu tinha o Psoter da CBX 1000 Prolink que veio com a Revista

    1. Quel legal Claudio, que bom que voce gostou… este é o principal propósito de nosso trabalho: manter viva e divulgar a nossa história… compartilhe sem moderação… aproveite e de uma olhada também em http://www.motostoryshop.com.br , nossos produtos do Motostory Collection são uma poderosa ferramenta para contar a História e também uma forma de financiar nosso trabalho. Quando tiver o livro não deixe de contar para a gente… podemos ajudá-lo a divulgar. Grande abraço!

Leave a Reply