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- Author: motostorybr
- Posted: December 22, 2016
- Category: Histórias
Abraciclo 40 anos – Uma história de superação – Parte 1
Por Carlãozinho Coachman para Anuário 2016 – Abraciclo 40 anos
Já se passaram 40 anos desde o dia em que um pequeno grupo de empresários se reuniu em São Paulo para criar uma das mais representativas entidades do setor de transportes. Antes de falarmos do dia 2 de abril de 1976 e do encontro que aconteceu exatamente às 17hs na Avenida Francisco Nóbrega Barbosa, 411, reunindo para sua primeira Assembleia Geral os Srs. Isidoro Rozemblum Trosman, (IBRAMOTO S.A.), Ary Francisco Fiadi, (MOTOVI) e antigo representante/importador da Yamaha, Roberto Rabello Guimarães, (ALTEROSA S.A.), Luiz Victorio Garbin e Aparicio Piotto (ALPINA), Roberto Verrut (BI.MO) além de Antonio Fortino e José Nilo Delgado (CALOI), todos liderados por Bruno Antonio Caloi, é preciso voltar um pouco mais no tempo. Só assim será possível entender as razões que levaram à criação da ABRACICLO e sua trajetória desde então.
O Brasil antes da Abraciclo
Os anos que antecederam a criação da entidade foram bastante agitados. Primeiro, os chamados “Anos Dourados” da era Kubitschek (presidente Juscelino Kubitschek, de 1956 a 1961): Assinou o decreto 39 412 de 1956, criando o Geia (Grupo executivo da Indústria Automobilística); transferiu a Capital Federal do Rio de Janeiro ao construir Brasília, projetada por Oscar Niemeyer, e encheu o país de otimismo. Surgia então a Bossa Nova com João Gilberto, a tenista Maria Ester Bueno dominava as quadras e liderava o ranking mundial entre 1959 e 1966, o Basquete Brasileiro era Campeão Mundial em 1959, a atriz e cantora Carmem Miranda já era um ícone do cinema em Hollywood, e o personagem Zé Carioca, criado por Walt Disney ainda na década de 40, era sucesso Mundial. Tudo isso ainda foi coroado pela primeira conquista de uma Copa do Mundo pela Seleção Brasileira de Futebol em 1958 na Suécia, o Bi em 1962 no Chile, e o Tri no México, em 1970.
Mas, também foram anos de profundas transformações e muita instabilidade política e econômica. Jânio Quadros renunciaria a presidência da República em 25 de agosto de 1961, menos de 7 meses depois de ter assumido. Seu sucessor João Goulard foi deposto pelo chamado Golpe Militar em 1º de abril de 1964.
Nas áreas da indústria e da infra-estrutura, os anos que se seguiram ficaram marcados por uma grande reorganização em todo o país, capitaneada pelos seguidos governos militares. Ainda nos anos 60, foi criada a Zona Franca de Manaus, onde se instalaria o Polo Industrial de Manaus, através do Decreto-Lei 288/1967. Anos mais tarde, a região se tornaria o grande catalisador da indústria do nosso setor enquanto, no mesmo período, o mercado brasileiro de duas rodas também passava por uma grande transformação.
Os fabricantes de bicicletas também cresciam e se fortaleciam, transformando-se em gigantes da indústria. Consolidadas no final dos anos de 1960 e início dos anos 70, Caloi e Monark passaram a olhar também para outros horizontes. Nas motos, foi um tempo de formação dos grupos, das tribos, e dos chamados “points”, como o Zerinho, no Parque do Ibirapuera,
o subir e descer na badalada Rua Augusta…
e a já famosa “Esquina do Veneno”, no encontro das ruas Barão de Limeira e General Osório, apenas para citar São Paulo, ou o Postinho, no Rio de Janeiro (4-foto). A motocicleta já era uma realidade nacional, embora fosse um mercado formado quase em sua totalidade pelos amantes do motociclismo de lazer e de competição. Transporte para todos ainda não era sinônimo de motocicleta. Clubes atuantes, encontros, eventos e autódromos pipocavam pelo país, enquanto sobrenomes como Latorre, Soares e Carmona, entre tantos outros, povoavam o imaginário dos motociclistas naqueles anos. Também foi a época de ouro do motociclismo de competição no Brasil, com a consolidação do Centauro Motor Clube, capitaneado por Eloi Gogliano, e a estruturação da própria Confederação Brasileira de Motociclismo. No esporte surgiam os irmãos Paolo e Gualtiero Tognocchi…
Salvatore Amato, Carlinhos Aguiar…
Denísio Casarini …
Adú Celso…
Walter “Tucano” Barchi…
Nivanor Bernardi…
Roberto Boettcher…
e Moronguinho….
além do garotinho Alexandre Barros…
entre outros. A motovelocidade se consolidava enquanto o motocross nascia em nosso país.
Tudo isso atraiu a atenção dos gigantes japoneses Yamaha e Honda, que decidiram substituir seus antigos importadores montando escritório próprio no Brasil, ambos em São Paulo. Primeiro a Yamaha estabelece sua filial em 1971, com a Honda chegando a seguir, em 1972…
No início eram importadores também, mas os planos de instalar suas fábricas já estavam em execução.
O início da indústria de Duas Rodas no Brasil
A produção, fabricação ou montagem dos veículos de duas rodas em nosso país é antiga. Os pioneiros fabricantes ou “montadores artesanais” surgiram ainda na primeira metade do Século XX, mas ganharam novo impulso depois da Segunda Grande Guerra, na segunda metade dos anos 40. Caloi e Monark também se estruturaram no pós Guerra, para mudarem o mercado brasileiro nas décadas seguintes. Em 1962 a Monark introduziu a idéia dos modelos anuais em sua linha de bicicletas: em 62 o tema era o Grande Prêmio Brasil de Turfe, em 63 os Jogos Pan-americanos, em 64 a Revolução. Já em 1965, assinaria um contrato de cinco anos com o Rei Pelé, que culminaria com o modelo Olé 70. Antes ainda, lançou em 66 uma linha tendo como tema a Copa do Mundo. Também foram responsáveis pela introdução das cores nas bicicletas, já que a grande maioria era produzida na cor preta, como lembra Nilo Delgado, ex-executivo da Caloi, e também o primeiro Secretário Geral da Abraciclo. Nilo foi, entre tantas atribuições, o responsável pela redação da ata de constituição da entidade.
A crise internacional do petróleo
Nesta mesma época, aconteceu uma das maiores crises internacionais de abastecimento de petróleo da história, o que seria também um grande impulso para a formação da indústria nacional de ciclomotores e motocicletas, e acabaria impulsionando o surgimento da própria Abraciclo. Esta enorme crise de abastecimento obrigou países desenvolvidos, e os em desenvolvimento, a um grande racionamento de combustíveis, mudando o comportamento de toda a sociedade. No Brasil, em pleno período de “milagre econômico”, quando obras de infraestrutura, a indústria de base e a indústria automobilística impulsionavam um crescimento econômico vertiginoso, chegou-se a proibir a venda de combustível nos finais de semana como forma de diminuir o consumo. Nesta época, a distância das viagens ficava restrita à autonomia dos veículos. Este fenômeno obrigaria toda a indústria a pensar na criação e veículos mais econômicos e versáteis. Neste cenário, a Caloi e a Monark, entre outras, se interessaram por dar o que eles mesmos chamaram de, o passo seguinte, e acelerar a produção dos ciclomotores tão difundidos na Europa. Para isso, era preciso constituir uma entidade que congregasse os fabricantes interessados em desenvolver este novo negócio, e que tivesse voz para propagar uma nova ideia de veículo para as esferas de governo. Tratava-se de uma nova forma de transporte que exigiria novas regras também.
Surgiram assim a Mobillette (Caloi),a Monaretta (Monark), a Italia I (Alpina) a Garelli a pitoresca Graziela, a Jawa Babetta a Motovi Puch
e a Piaggio Ciao
entre outras, um verdadeiro mar de ciclomotores.
A esta altura, a Yamaha já tinha iniciado a produção da RD 50
em sua fabrica de Guarulhos, SP, em 1974, e a Honda dava início à produção da CG 125
em Manaus, AM, em 1976, mesmo ano da fundação da Abraciclo e do fechamento das importações de veículos automotores em nosso país.
(Obs.: Fotos de todos os ciclomotores extraídas da edição 9 de Duas Rodas, de 1975)
Abraciclo, os pioneiros e o Ciclomotor
(Imagem: Reprodução Jornal da Moto, 1976 / Motostory)
Foi dentro deste contexto que nasceu a ABRACICLO, então Associação Brasileira dos Fabricantes de Ciclomotores. Idealizada e capitaneada por Bruno Caloi, seu primeiro presidente, a entidade formou-se pela união das empresas Ibramoto, Motovi, Alterosa, Alpina, Bi Mo e Caloi Norte, e seu estatuto descrevia claramente a denominação ciclomotor: “…todo veículo de duas ou três rodas, provido de pedal auxiliar de acionamento e tração, e um motor térmico de propulsão de até 50 cm3 de cilindrada, com ausência de caixa de marchas e cujo limite de velocidade não ultrapasse a 50 km/h.” A Motovi, de Ari Fiadi, já produzia ciclomotores desde 1972, tendo entregue pouco mais de 65 mil unidades até aquela data. A própria Monark também produzira a Monaretta na década de 50 e voltava a fazê-lo. Nesta fase, nem as motos nem as bicicletas estavam incluídas no estatuto da entidade e o foco era apenas o desenvolvimento do mercado de ciclomotores. O objetivo era lutar pela implantação de um novo conceito de transporte individual e econômico. Mas, para que o veículo fosse bem aceito e comercialmente viável, era preciso alterar também a legislação de trânsito, já que não havia a previsão deste tipo de veículo no Código de Transito Brasileiro. Esta foi a primeira bandeira da entidade que, entre outras coisas, queria também a liberação para que menores de 18 anos e maiores de 15 conduzissem ciclomotores. Não era uma utopia, pois isso era possível em diversos países da Europa, onde eles eram febre de consumo e solução de transporte, além de ser a transição natural entre os mundos da bicicleta e o das motocicletas. Chegou-se a discutir inclusive restrições de uso, onde eles não poderiam circular pelas vias principais, como avenidas de grande fluxo e rodovias, ficando sua utilização limitada às vias secundárias e para pequenos deslocamentos. Este conceito, ou a discussão sobre a ideia, perdurou por mais de duas décadas, como se verá a seguir.
Primeiros passos
No ano seguinte à sua fundação, a Abraciclo começa a mudar seu quadro de associados. Entra a Monark, comandada por Sylvio Marzagão, e que anos mais tarde seria o segundo presidente da entidade, mas saem Ibramoto, Motovi e Alterosa. As batalhas do dia a dia de um pequeno grupo de empresários, imbuídos da tarefa de apresentar ao brasileiro uma nova forma de transporte econômico e racional provocou a evolução da entidade, mas também cobrou um preço. Os diálogos com as autoridades e as dificuldades impostas pelo mercado foram, pouco a pouco, exigindo uma estrutura cada vez mais profissional. Por outro lado era preciso ganhar corpo, ficar mais forte e representativa, abranger mais empresas e segmentos. Com os dois maiores fabricantes de bicicletas do país juntos em uma batalha pelo fortalecimento da entidade, a chegada dos fabricantes de motocicletas e a alteração de seu estatuto era apenas uma questão de tempo. Neste mesmo período, Yamaha e Honda também enfrentavam seus próprios desafios, ainda agindo isoladamente. Yamaha em Guarulhos, SP,
e Honda em Manaus, AM, precisavam ampliar suas redes de concessionários a nível nacional, desbravar as possibilidades de mercado, encontrar os empresários interessados e dispostos a investir em um novo negócio, superando os desafios de um país com dimensões continentais. Ryo Harada lembra: “Não havia ainda um pleno conhecimento de legislação sobre o uso dos veículos de duas rodas. Não para o tamanho de mercado que estava por vir. Chegaram a nos perguntar, na época em que eu estava na Yamaha, em vários Ciretrans espalhados pelo país, como era o procedimento para a habilitação de usuários de motocicletas. Percebemos então, nós e também a Honda, que seria preciso uma atuação institucional para discutirmos leis, regras e procedimentos. Não era uma atribuição das marcas em si, mas do setor como um todo. Esferas de governo vinham a nós para entender como regulamentar o uso da motocicleta. As regras existentes na época ainda eram muito básicas para o crescimento que estávamos vislumbrando e para a diversidade de produtos e usos. Era preciso atuar em grupo.”
Continua… veja Abraciclo 40 anos – Uma história de superação – Parte 2