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- Author: motostorybr
- Posted: January 30, 2019
- Category: Histórias
A primeira faísca
Matéria originalmente publicada na revista Motociclismo na edição de Setembro de 2017.
Como foi a sua primeira “vontade de moto”? O que despertou aquele seu irresistível desejo por motocicleta? Como você ficou absolutamente encantado por este fascinante veículo?
Quando este trabalho surgiu, o Motostory, a primeira ideia era publicar um livro em parceria com meu pai, Carlão Coachman. Claro que ele adorou a ideia e logo começou a escrever. Deixou alguns textos praticamente prontos, todos inéditos até hoje, nos quais descreve suas primeiras lembranças com motocicletas.
Como a simples menção de que seu pai, John William Coachman, trocaria sua coleção de bicicletas por uma Vespa, o que fez começar a sonhar com os motores. São causos e lembranças de pessoas com quem conviveu, as primeiras emoções em duas rodas, os passeios pela região dos Jardins ainda na garupa de amigos, em São Paulo, o Poeira Moto Clube, as primeiras corridas em Interlagos e como este mundo do motociclismo e as pessoas com quem ele conviveu foram, aos poucos, mudando sua vida. Esses textos não apenas descrevem o surgir da “primeira faísca” da motocicleta mas também os primeiros passos do nosso próprio trabalho e da própria transformação que a motocicleta provocou em nossa família. E você, como foi a sua?
Memórias de motocicletas – parte 1 – por Carlão Coachman (textos inéditos escritos entre janeiro de 2005 e março de 2006)
“Acho que o inicio de tudo aconteceu por volta de 1948 ou 1949* quando meu pai John William Coachman, um inveterado colecionador de bicicletas, disse que ia vender todas elas e comprar algumas das recém-lançadas Vespas, motonetas italianas que rapidamente se transformaram em sucesso de vendas na Europa e no mundo. No entanto, tudo ficou apenas nos planos, e ficou a vontade.
Em 1950, um vizinho chamado Detlef Werner Schultze ganhou de seu pai um motor Zündapp para instalar em sua bicicleta, transformando-a assim em uma bicicleta motorizada. Como Detlef estudava no Colégio Porto Seguro, que fi cava longe, começou a ir para as aulas com sua bicicleta motorizada, e seus colegas, instados por seu exemplo, logo também ganharam bicicletas motorizadas ou motores de seus pais. Assim, alguém teve a ideia de fundar um moto clube informal chamado na época de Poeira Moto Clube, cuja sede era na casa do Detlef, bem em frente à minha casa. Lógico que a vontade de ter uma bicicleta motorizada continuou em minha cabeça, agora com mais força ainda. Como havia uma diferença de idade entre os membros do Poeira (todos aproximadamente seis anos mais velhos que eu), o máximo que eu conseguia na época eram algumas caronas. De vez em quando convencia o Detlef a me rebocar com a Zündapp, eu em meus patins, pelas ruas do então pacato bairro do Jardim América. Dessa época ainda permanecem as amizades com o Rolf Laves (na época conhecido como Muka) e com o Norberto Theil (então chamado de Fortuna ou Forçudo, uma vez que se dedicava à ginástica).** Muitos anos mais tarde eu trouxe o amigo Rolf para o esporte fora de estrada, que ele pratica até hoje, tendo uma invejável coleção de 22 motocicletas*** e já tendo participado inclusive do Rally dos Sertões, tanto de moto como também de carro.
Enquanto o tempo passava e o pessoal do “Poeira” ia trocando suas bicicletas motorizadas por motos e motonetas, outro vizinho chamado Jairo ganhou de seu tio, que visitara a Itália naquela época, uma Lambretta luxo modelo 1956. A partir daí, passávamos os dois encarrapitados na Lambretta, subindo e descendo as ruas do bairro de Cerqueira César, onde morávamos. Pouco depois, um primo, Francisco Escobar, comprou uma Lambretta e, por não dispor de garagem e por morar bem perto, guardava a mesma em casa. Daí para eu começar a dar umas escapadas com a Lambretta foi um passo, firmando ainda mais a vontade de andar de motocicleta.
Em 1959, um amigo dentista, Nilo Augusto del Monaco, comprou uma Vespa e, decidindo participar de corridas, me convidou para ser seu sócio, ajudando na preparação e participando das corridas em alternância com ele. Preparávamos a Vespa na ofi cina do Danilo Faedo, na Alameda Eduardo Prado. Lembro-me de que contratamos um engenheiro para projetar um escape que aumentaria o rendimento do motor. Recebemos um funil com suas dimensões bem estabelecidas e que fazia um barulho maluco, mas pouco ajudava no desempenho. Levávamos o funil numa mochila e, chegando em Interlagos, trocávamos o escape original pelo funil e íamos treinar. Findo o treino, destrocávamos para voltar para casa rodando, ora eu pilotando, ora na garupa. Dessa época vem minha amizade com algumas das grandes fi guras do motociclismo, como o grande amigo Gualtiero Tognocchi e Eloi Gogliano, um dos fundadores da Confederação Brasileira de Motociclismo.
Já naquela época, Eloy se notabilizava como organizador e gestor, tendo criado grande parte da história do motociclismo de competição no Brasil, notadamente com a organização da Taça Centauro (organizada pelo Centauro Motor Clube), quando aproximadamente 20 000 pessoas lotavam as rudimentares instalações de Interlagos para assistir às provas. Muitas dessas provas contavam com a marcante presença de pilotos estrangeiros, vários deles campeões mundiais, como Carlos Lavado, Johhny Cecotto, Barry Sheene e Kent Andersson, entre outros.
Por outro lado, Gualtiero se tornava piloto de bastante sucesso, correndo primeiro com Lambrettas extensamente modificadas na categoria Especial, e depois com Yamahas TR e TZ especiais, trazidas especialmente para competições pela nascente Yamaha do Brasil. Nessa época também corria seu irmão Paolo Tognocchi. Ambos, inclusive, venceram, anos mais tarde, a primeira edição as 500 Milhas de Interlagos competindo em dupla, em 1970. Ainda em 1960, meu amigo Nilo se acidentou feio e resolveu parar com as corridas de moto, tendo vendido a Vespa. Assim, fui forçado a parar também. Partindo daí, fiquei muitos anos apenas me interessando pelos estudos e pela formação de minha família, acompanhando o motociclismo de longe.
Até um dia, já nos anos 70, em que minha esposa Lídia receberia uma pequena herança: “Toma, vai comprar sua moto!” – continua em Memórias de Motocicletas – parte 2.