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- Author: motostorybr
- Posted: November 30, 2016
- Category: Personagens
Os Marazzi, por Gabriel Marazzi
Texto Gabriel Marazzi
Há quem afirme que tem boas lembranças de sua tenra infância. Eu lembro apenas de flashes, com quatro anos de idade ou menos. Mas a maioria desses flashes têm algo a ver com automóveis.
Meu pai, Expedito Marazzi, começou a testar automóveis para a Revista Quatro Rodas em 1962, quando eu tinha 3 anos de idade. Ainda nesse ano, eu lembro de um Aero Willys 1962 que, apesar de “zero km”, abria as portas nas curvas – sei que era desse ano porque em 1963 esse carro ganhou carroceria nova. Mesmo sem cinto de segurança, eu e minhas irmãs nunca caímos do carro em algum desses episódios. Achávamos isso engraçado.
Mas, e as motocicletas? Eu nem sabia que elas existiam até ver uma antiga foto de meu pai, bem mais novo, montado em uma delas. E de bigode! Depois que me disseram que ele sempre teve motocicletas, desde muito jovem, sempre imaginei que ele as havia deixado de lado por um período provavelmente coincidente com o nascimento de seus filhos. Prudente decisão.
Foi lá pelo ano de 1967 que Expedito voltou a ter motocicletas. E bigode. Duas características suas que ele nunca mais abandonaria. A primeira motocicleta que ele trouxe para casa foi uma BMW R51/3 de 1951, aquela que me iniciou no fantástico mundo da garupa emocionante. Ou nem tanto. É que essa BMW era meio “careta”, não tinha nada de emocionante. Mas a segunda motocicleta, essa sim, era pura emoção: uma HRD Vincent Rapide de 1951, com um absurdo motor V2 de 1000 cm3. Poucos sabem, mas essa é a viúva negra original, três décadas antes da Yamaha RD 350.
Daí em diante as motocicletas não pararam mais de chegar em minha casa. Uma estranha Jawa 1951 (acho que ele tinha obsessão por esse ano), uma Ducati Mk1 1966 e uma Ducati Mk3 1969 são algumas de que eu me lembro.
Até que ele começou a testar também motocicletas para a Revista Quatro Rodas. Era o início da invasão japonesa no mercado motociclístico, que chegava também ao Brasil. Suas japonesas mais memoráveis foram uma Yamaha DS5 de 1970 e uma Suzuki T 500J de 1972. Somadas às motos de teste, meu quintal era sempre uma festa.
As duas Ducati têm uma história à parte. Meu pai era piloto de competição de automóveis desde que havia entrado para a Quatro Rodas, mas nunca havia participado de uma corrida de moto. Sua estréia foi em uma lendária prova de rua em Ribeirão Preto, em 1969. Enfiamos a Ducati Mk3 dentro de uma Veraneio e fomos para lá. Eu tinha 10 anos de idade e nos acompanharam o amigo Polé e sua esposa Márcia. Naquela prova, já participavam as modernas Yamaha TD 350, verdadeiras motocicletas de competição. Só que nenhuma delas suportou os quase 40 graus daquela cidade do interior de São Paulo e a primeira colocada foi uma Ducati 350 desmodrômica, nas mãos do piloto Luiz Latorre. A segunda colocada? A Ducati 250 de Expedito Marazzi, que nem desmodrômica era. Foi uma festa, com direito ao inesquecível desmoronamento do precário palanque das autoridades na hora da entrega dos troféus.
Na prova seguinte, em Araraquara, a valente Ducati Mk3 foi trocada pela Mk1, também 250, mais antiga porém mais veloz. E a partir daí o já experiente piloto de motocicletas Expedito Marazzi não parou mais de correr de motocicletas.
Entre as suas várias motocicletas, uma feiosa Zündapp 100 de 1969 estava sempre jogada em um canto de casa. E foi exatamente essa que me fez entrar novamente no fantástico mundo das motocicletas, desta vez no comando do guidão. Ninguém a usava mesmo…
Nessa época eu tinha um buguinho AVL, Alexandre Veículos Ltda., que originalmente vinha com um decepcionante motor estacionário Montgomery, daqueles de bomba d’água. Só que, seguindo a brilhante idéia do Expedito, troquei esse motor por um Pasco de 175 cm3, o mesmo que equipava as Lambrettas mais potentes. Eu saía todos os dias com esse buguinho, depois da escola (nessa época, um garoto de 11 anos circulando pela cidade com um mini-carro não parecia ser algo do outro mundo), mas ficava de olho naquela motocicleta lá encostada. Até que um dia, deixei o buguinho e peguei a moto! E não a larguei mais.
Essa Zündapp se tornou a minha motocicleta. Subia e descia a rua todos os dias depois da aula, como fazia antes com o buguinho. Só não ia pra escola com ela porque eu tinha um pouco de vergonha, a Zündapp era muito feia. Mas isso mudou em abril de 1974, quando meu pai me liga uma tarde e pede para ir buscá-lo na Fórmula G, revenda Honda na Praça Panamericana, onde hoje é o McDonald’s. Ele havia deixado a sua Honda CB 750 Four K2 na revisão.
Mais uma vez, com vergonha da minha moto, estacionei lá fora. Só que, ao entrar, meu pai pergunta da Zündapp e manda eu trazê-la para dentro. Meio sem entender, levo a feiosa para lá e ele manda eu escolher uma moto nova. Isso é que era surpresa! Como eu sempre quis uma Honda CB 125 K5, aquela de dois cilindros, sistema elétrico de seis volts e partida elétrica, era essa que eu escolheria. Ela parecia muito com a Honda CB 350, moto de gente grande! Só que, ao ver a nova Honda CB 125S, me apaixonei. Monocilíndrica, porém muito melhor e mais rápida. E fui pra casa com ela. Tchau, Zündapp! Tenho muita saudade da feiosa atualmente.
Naquele ano de 1974 o motociclismo estava no auge. As 24 horas de Interlagos daquele ano agitaram os bastidores do pilotos e dos preparadores. O Curso Marazzi de Pilotagem, que meu pai havia criado em 1966, passou a formar turmas constantes de pilotos de motocicletas e, entre eles, eu.
As aulas teóricas do Curso Marazzi de Pilotagem eram ministradas na sede do Centauro Motor Clube
As aulas práticas eram em Interlagos
Nem é preciso dizer que as tardes de quarta-feira eram a hora mais esperada da semana, pois nesse dia íamos para Interlagos fazer as aulas práticas. Passei a competir com a minha própria moto, depois que coloquei os number-plates, um escapamento “megáfono” e adaptei um guidão “morcego”. As primeiras provas eu fiz com o guidão original mesmo.
Para as 24 Horas de Interlagos de 1975, os pilotos formados pelo curso se preparavam para estrear em uma corrida de longa duração. Na minha casa meu pai montou uma academia onde todos eles era obrigados a fazer condicionamento físico. Inclusive eu.
Duas vezes por semana a minha casa se enchia de pilotos. Nessa prova o Expedito correu com uma Yamaha TX 650 e na nossa equipe estavam mais dois amigos, o Frota e o Paulo, que correram com uma Suzuki GT 380. Eu bem que tentei entrar na prova, mas fui barrado pelo Eloy, que me disse a inesquecível frase: “Eu sei que você corre na Taça Centauro, eu até finjo que não vejo, mas 24 Horas é para pilotos muito experientes!” Sábia decisão.
Participei da prova, mas como cronometrista e ajudante de box. Mas tenho uma memorável aventura com essa equipe, que me marcou bastante. Fora das pistas. O Emerson Fittipaldi havia recebido uma Bultaco pelo seu segundo campeonato na Fórmula 1 e meu pai iria até a sua casa no Jardim Acapulco, no Guarujá, para uma entrevista para a revista Fatos & Fotos. Junto com ele foram o Frota, com sua Suzuki GT 380, e o Paulo, que tinha uma Suzuki GT 250. E meu pai sempre com sua Honda CB 750 Four K2. Na saída de casa, acho que eles me viram ali imaginando como seria ir junto, até que me chamaram: “Quer ir?” Banana pra macaco. Fui correndo pegar minha CB 125S, quando veio outra proposta “indecente”: eu iria com a Suzy 250 do Paulo, “pra não atrasar a turma”, e ele pilotaria a Suzuki T 500J do meu pai. Lá fomos nós.
Minha estréia na estrada não poderia ter sido mais emocionante. Como sempre, meu pai esquecia a minha idade e experiência e sempre abria o gás lá na frente. Na Via Anchieta tudo bem (ainda não havia a Imigrantes), mas chegando no alto da serra, lembrei que meu pai só usava o antigo Caminho do Mar. Sábado de manhã, um calor de uns 40 graus, a serra tinha mão dupla e estava lotada de carros para descer. Para subir, quase nenhum. É claro que os três “baixaram a bota” pela contra-mão, sem olhar para trás. Eu, com aquela desconhecidas Suzuki GT 250 sem freio (o tambor dianteiro era péssimo), guidão tomazeli, tive que acompanhar. Vez em quando subia um carro e eu tinha que fazer milagre para frear entrar na fila de carros. Quem conhece o Caminho do Mar sabe que a estrada é demasiadamente tortuosa e estreita.
Foi tudo muito bem. Chegamos na casa do Emerson, batemos aquela foto histórica com a Bultaco e voltamos para casa. Sabadão inesquecível, assim como aquelas 24 Horas de 1975.
Achei que poderia matar minha vontade de participar de uma prova longa no ano seguinte, naquelas 24 Horas de 1976, que foi a última a ser realizada. Só que os destinos mudaram e acabei me dedicando a outras coisas. Fazendo o cursinho para engenharia, ao mesmo tempo que o terceiro colegial, não fui para Interlagos naquele ano. Em compensação achei tempo para, à noite, trabalhar na equipe de iluminação de palco do conjunto de rock progressivo O Terço. Era um mundo novo e diferente para mim. Viajava nos fins de semana com o grupo e todas as noites estacionava minha valente CB 125S na porta do teatro Bandeirantes. Hoje já a teriam roubado. Meu pai ficou preocupado, pois achava que com esse trabalho eu estava negligenciando os estudos, só que acabei entrando na Engenharia da Poli em 1977.
Não corri mais, nem fui mais nos shows do Terço, mas arranjei outra ocupação interessante, testador de motocicletas para revistas. Minha estréia ainda foi na edição de agosto de 1976 da revista Auto Esporte, quando conheci o irreverente Marcus Zamponi, o Zampa. Foi ele quem sugeriu que eu posasse de piloto para a foto da capa.
Depois disso, passei a colaborar na revista pilotando as motocicletas e, às vezes, os carros. Conheci muita gente legal, como a Sueli Rumi do Moto Jornal, que também pedia minha colaboração na pilotagem das motocicletas. Depois que passei a ter habilitação, essa era minha vida, paralelamente ao curso de engenharia na USP.
Equipe do Curso Marazzi de Pilotagem, em 1982: eu estou na moto 9 e meu pai na moto 1
Os anos 80 foram maravilhosos. Passei a década inteira pilotando para a revista Duas Rodas. Nesse anos passei a estudar também na FAU, arquitetura da USP, outra bela aventura. Era uma década efervescente para a indústria nacional, apesar de poucos lançamentos. Não tínhamos mais as importadas, que pararam de chegar em 1976, mas aguardávamos ansiosamente os lançamentos das nacionais.
O lançamento de motocicleta que tenho maior carinho foi o da Honda Turuna, em 1979. No ano seguinte veio a Honda CB 400, depois a Yamaha DT 180, a Honda XL 250 e, finalmente, a mais aguardada, a Honda CBX 750F de 1986.
Logo em seguida tivemos a Yamaha RD 350R e a Yamaha XT 600 Ténéré, para fechar a década citando as mais importantes. Outras marcas ensaiaram entrar no mercado, como a FBM, a Montesa, a Agrale (que durou bastante) e a MZ Simson. Se falar na Amazonas, que era realmente uma “senhora motocicleta”.
Nessa década de 80 eu e meu pai nos tornamos mais que pai e filho, ficamos amigos e companheiros de estrada. Apesar de ainda morar com ele, não tínhamos muito tempo para conversar e, às vezes, nos encontrávamos sem querer nos eventos automobilísticos e motociclísticos em comum. E por diversas vezes evitávamos falar de nossos respectivos trabalhos em revistas, pois éramos “concorrentes”.
Entre os muitos veículos para os quais ele colaborava, a revista Motor Três era onde ele mais se divertia com as motocicletas. Mas sempre que podíamos, íamos viajar juntos. Ele dizia que nenhum de seus companheiros de estrada o acompanhavam e eu dizia o mesmo. Só que, por causa disso, nós dois sempre acabávamos abusando da velocidade.
Como daquela vez que eu programei com meses de antecedência uma viagem para a Bahia e, na véspera, como era de costume, meu companheiro arregou. Iríamos ficar duas semanas em uma casa emprestada na Ilha de Itaparica. Cheguei em casa meio decepcionado e contei o ocorrido para ele, que só me perguntou: “Que horas saímos amanhã?” Foi nossa melhor viagem, com direito a quebra de recorde de velocidade e permanência sem parar (só xixi, combustível e um sanduíche, já que nenhum de nós dois precisava parar para fumar). Sempre mão embaixo. Chegamos em Salvador, olhamos um para o outro e pensamos: “Vamos voltar”. Foi só estrada.
Dessa época temos muitas outras histórias com motos e, principalmente, com carros. Novos, antigos, de rua e de pista. Ele se divertia com as revistas e com sua escola de pilotagem, eu preocupado com minhas carreiras de engenheiro e jornalista. Foi quando nos distanciamos um pouco, até que, pouco tempo depois ele viria a falecer fazendo exatamente o que mais gostava: testando veículos.
Ele deixou uma boa coleção de automóveis e motocicletas e eu ainda assumi todas as suas atividades: Curso Marazzi de Pilotagem, Clube de Pilotagem Automobilística, organização de provas do Campeonato Paulista de Automobilismo, algumas de Stock Car e, uma vez por ano, sua participação pelo clube na organização das etapas brasileiras de Formula 1, já no novo traçado que Interlagos, que ele não chegou a conhecer. O que pode ter sido muito bom, pois certamente ele não teria aprovado o que fizeram com a sua segunda casa.
Sonho de muitos, pai e filho com uma vivência regada à motocicletas.
Fato Vinícius… e ao falar da História da Motocicleta no Brasil você se dá conta que existem muitas famílias em que a motocicleta atravessa gerações… muitas… para citar apenas uma, que em breve terá sua história contada aqui, os Ceccarelli tiveram seu pioneiro vencendo corridas na década de 1920, aqui em Campinas, SP. Já estão indo para a 6a geração de motociclistas! Em breve, a história completa!
Conheci o Expedito Marazzi em 1966, quando entrei na revista Quatro Rodas. Uns dias depois ele convidou para almoçar na sua casa. Chovia e fomos num DKW quatro portas que ele estava testando. Uma loucura!! Atravessamos o bairro do Pacaembú derrapando nas curvas e ele se divertindo com meu medo! Na volta para a Abril, outra aventura!!
Eu tinha 16 anos e ele sempre tratou com muita cordialidade, sempre foi um cara sensacional.
Em 1968 comprei minha primeira moto “grande”, uma Gilera Giubileo 175 cilindradas. O Marazzi estava com uma Ducatti (não lembro se era dele ou emprestada) e fomos dar um giro pela Marginal Tietê ainda em construção: eu, Marazzi, Polé (Paulo Orlando Lafer de Jesus) e o piloto Pedro Victor Delamare, que colaborava com a Quatro Rodas. O Marazzi sempre na frente e acelerador embaixo, mandava ver na velocidade.
A vida nos separou e eu continuava tendo noticias do Marazzi, sempre com muita saudade e respeito por seu trabalho.
Até o dia em que nos deixou num trágico acidente.
Espetacular Edson Lobo, sua participação no Motostory tem sido simplesmente brilhante! Obrigado mais uma vez!
Coincidências que nunca pensei que fossem possiveis… eu e uns amigos fomos daqui de Atibaia a um show do Terço no Teatro Bandeirantes naquela época, nunca poderia imaginar que o Gabriel Marazzi trabalhasse na equipe da banda! Show inesquecível!
Depois fui morar em São Paulo em 1978, e comprei uma das primeiras Yamaha RS 125 nacionais, e era leitor assíduo da Duas Rodas… muito boas as lembranças dessa época, em que motos eram raras…
Vamos contar isso para o Gabriel também Paulo… aqueles que viveram uma mesma época juntos terão várias passagens para lembrar. Mais uma vez obrigado pelos comentários.
Sou seu grande fã, Grabiel! Ja tinha visto essa foto com o Emerson em uma revista, vcs foram para o Guaruja ver a moto, foi de mais aquela materia. Parabens irmao, otimo profissional