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Espírito indomável! Parte 1

Um tributo a Carlos Alberto Pavan, ou apenas Jacaré.

Nota do editor Carlãozinho Coachman: “Sinto uma certa dificuldade para encontrar as palavras certas para descrever o personagem Jacaré. Viveu uma vida intensa, única, e sua morte trágica em um acidente nas ruas de São Paulo, aos 23 anos, encerrou um capítulo lúdico da nossa história. Nos Estados Unidos talvez sua vida tivesse virado filme de Hollywood… e filme de sucesso. O ator para interpretar sua vida deveria ser Steve McQueen, o “The king of Cool, como era conhecido. Só que a vida de Calos Alberto Pavan, O espírito indomável de Jacaré não virou filme.

Para quem nunca ouviu falar de Carlos Alberto Pavan, ou simplesmente Jacaré, fica difícil entender o impacto que ele teve na vida dos motociclistas brasileiros, em especial dos paulistas, durante o final dos anos 60 e início dos anos 70. Muitos o chamavam de louco, e muito provavelmente não estavam tão errados. Outros de irresponsável, ousado demais, mas muitos o consideravam o grande piloto de sua geração. E olha que estamos falando de gente como Denisio Casarini, Walter Tucano Barchi, Adu Celso, Edmar Ferreira, só para falar de alguns. Quem pôde apreciar de sua amizade diz que seu coração era gigante.

No dia do seu funeral, para se ter uma ideia do que ele significou para sua geração, relatos e matérias de jornal falam que duas mil motos foram ao seu enterro, fora outros veículos, formando um cortejo com mais de dois quilômetros pelas ruas de São Paulo, isso em 24 de agosto de 1975. As manchetes dos jornais da época falaram… Diário da Noite: “Morre o rei dos Motoqueiros; Diário Popular: Campeão Brasileiro de Motociclismo morre em acidente na Cidade Jardim; Folha de São Paulo: Campeão de moto morre em acidente; Diário de São Paulo: O Campeão morre na rua, Com a morte de Jacaré, o Brasil perde um campeão; O Estado de São Paulo: A morte de Jacaré numa corrida de rua.”

Espero que seja possível entender um pouco o que significou a sua vida, e também sua trágica morte. para os motociclistas de sua época.

Carlos Alberto Pavan, o Jacaré, o “menino travesso” do motociclismo brasileiro em Foto de Leonardo Costa / Acervo Família Pavan / Motosclassicas70 / Motostory

Assim, segue a primeira parte das fotos cedidas por Ricardo Pupo, do site Motosclassicas70 (http://www.motosclassicas70.com.br), uma referência para todos nós apreciadores de história. Este material pertenceu à Dona Nelita, mãe de Jacaré, antes de chegar às mãos de Pupo e agora ao Motostory.

Nesta primeira galeria, uma coletânea de imagens dele pilotando a Ducati de Luis Latorre nas pistas, e nas ruas, como era seu costume e a íntegra do texto publicano na coluna de Nelson de Lara Cruz no Jornal A Gazeta Esportiva, em 28 de agosto de 1975.

A última bandeirada

“A notícia cruel e dolorosa chegou de repente, naquele sábado ensolarado e, mesmo assim, triste: O “Jacaré” morreu num trágico acidente!

Todos que conheciam Carlos Pavan, sofreram muito ao receberem a notícia brutal! Sim, porque aquele menino bom, debaixo daquela sua aparência irriquieta, escondia um coração enorme, um jeito especial de fazer amigos , de despertar simpatia, de se fazer estimar por todos os que tiveram a ventura de com ele conviver.

Era um moço que, materialmente, quase nada tinha e, quando tinha um pouco, procurava logo reparti-lo, oferecê-lo aos seus familiares e aos seus inúmeros amigos.

Não morreu na pista, como se poderia esperar, pelo empenho com que disputava as corridas de que tomava parte e pela sua coragem inigualável, admirada pelos próprios adversários. Morreu quando disputava um “racha”, como dizem os “motoqueiros”, em plena via pública, de madrugada.

Ingloriamente, dirão alguns, mas se a gente lembrar sua paixão pela velocidade, sua mocidade estudante, e sua agitação permanente, que não lhe permitiam aguardar uma prova para dar vasão à sua vontade de correr, torna-se difícil condenar a sua ação, naquele acontecimento que lhe roubou a vida.

Montado no seu “cavalo de aço”, que aliás nem seu era, pois suas modestas posses nem isso permitiam, ele disputou, naquela trágica madrugada, a sua derradeira corrida.

Quis a vontade do Senhor, ou o destino, como queiram alguns, que ele recebesse, tão abruptamente, sua última bandeirada, que desta vez não assinalou uma vitória, mas a sua chegada aos umbrais de um outro mundo, silencioso e desconhecido.

E isso aconteceu quando o inesquecível Jacaré – após longo afastamento das pistas, devido a acidentes fora delas, tinha acabado de voltar a competir e, embora não refeito dos acidentes sofridos, ainda trazendo encrustado numa das pernas um enorme pino de metal e, por incrível que pareça, com a clavícula recentemente engessada, vinha de obter no domingo anterior uma espetacular vitória em Interlagos.

Resta pois, o consolo – insignificante, é verdade, face à enorme tristeza que trouxe o seu desaparecimento – de que, ao morrer, já não levava em sua alma aquele pesar que tanto tempo carregou consigo, por estar afastado das pistas e que já fora substituído pela alegria de correr e de vencer e também por projetos risonhos de outras corridas, de novas vitórias, no Brasil e até fora dele.

Resta ainda, além da dolorosa saudade com que será sempre recordada a sua alegre figura, a lembrança imperecível do espetáculo emocionante que foi o seu sepultamento, com aquelas muitas centenas de motociclistas acompanhando o esquife que levava para a sua última morada o corpo ferido, castigado e agora inerte de seu insuportável campeão, do seu mais legítimo líder, o grande e boníssimo Jacaré.

E quem, naquele sábado triste, compareceu à Morgue /Antonio Carlos, ou ao Cemitério da Vila Mariana, pôde presenciar o notável espírito de solidariedade, o impressionante respeito e a sincera e pungida dor que se retratava no semblante daquela multidão de “motoqueiros”, que – mostrando o quanto essa mocidade irriquieta e impetuosa é diferente da ideia injusta que dela fazem alguns – levava ao seu magnífico chefe, ao seu impar amigo, a sua última e sentida homenagem.

“Jacaré” partiu para sempre, mas sua figura, misto de agitação e bondade, de máscula coragem e fina sensibilidade, jamais se apagará na mente de seus familiares, de seus amigos e principalmente, da sua alegre e barulhenta geração de “motoqueiros”, que povoa e agita diariamente, com suas maquinas envenenadas, as ruas esta nossa trepidante e desvairada Paulicéia.”

São Paulo, 28 de agosto de 1975

Nelson de Lara Cruz

 

 

0 comments

    1. Bárbaro Carlos… caso tenha lembranças a compartilhar, histórias para contar, por favor… não fique tímido. Mande para o Motostory que publicamos. E nos vemos nos eventos Brasil afora. Grande abraço!

    1. Obrigado Emerson… estamos preparando… e serão várias partes graças ao tamanho do acervo. É só nos acompanhar!

  1. Eu lembro sempre dos domingos no Ibirapuera, no “zerinho”, onde havia uma concentração gigante de “motoqueiros”. Separados por grupos diferentes e seletos. As “galo”, as quinhentas, as originais, as personalizadas, preparadas. Japonesas separadas das européias e das Harley (que eram sempre poucas). E, as pequenas, claro. Era um programão assistir a galera rodando forte no zerinho, vez ou outra alguém comprava um terreno, com direito á muita vaia e muita faísca pelo asfalto. Mas o ponto forte mesmo era o Jacaré. O momento mais esperado dos domingos… muita gente ali estendia chave de moto na direção dele, oferecendo as máquinas prá ver ele andar forte e barbarizar bonito. Mas ali a gente notava que ele era impecável na tocada. Era claro prá todos que ali tinha um cara apaixonado por motocicletas. Não era lance de “se mostrar”, “aparecer”. Não, isso nunca foi compatível com ele não. Era paixão mesmo. Paixão que ficava mais clara mesmo nas pistas… e os motores pareciam entender essa paixão, pois olha… as “diabas” pareciam andar acima do normal quando ele pilotava. Curvas perfeitas, acima de qualquer limite, tomadas de curva, frenagens impossíveis… e sempre um personagem que, ao menos eu, jamais vi vencer e lançar olhares de humilhação na direção de concorrentes. Não. Era “o cara”. Nas pistas e lá no bairro do Cambuci (se a memória não me falha). Tenho uma certeza comigo: se naqueles tempos ele tivesse um patrocínio digno mesmo… teria escrito uma história fantástica na Ilha de Man… aquele, me parece, era o perfil perfeito. E vale registrar… o cara, em cima de uma Ducati do Latorre… quem viu, viu… quem não viu, não faz idéia do que foi aquilo.

    1. Emocionante seu depoimento Sergio… fui ao Ibira com meu pai algumas vezes ver as proezas de quem andava por lá, mas não tenho lembrança específica dele, do Jacaré. Eu tinha entre 6 e 8 anos nessa época (sou de 65), mas lembro bem do que era aquele cenário. Só fui entender o tamanho do mito Jacaré muitos anos depois, quando comecei a ouvir as histórias a respeito dele. Mais recentemente (nos últimos 10 anos) que venho trabalhando o Motostory a finco, é que a ficha caiu de verdade. De uma maneira geral, o brasileiro pouco valoriza sua história e menospreza aqueles que a construiram… nós, aqui no Motostory, temos a missão de não deixar que a memória de nossos mitos seja apagada. Obrigado mais uma vez pelas palavras!

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